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15/03/2025
Há 40 anos, Brasil encerrava ditadura militar e caminhava para a redemocratização
15/03/2025Ao assumir o governo, em 15 de março de 1985, de forma inesperada com a morte do presidente eleito Tancredo Neves, o vice, José Sarney, encontrou um país em compasso de espera, e cheio de esperança por tempos melhores depois de 21 anos de ditadura. Além da necessidade de promover as mudanças legais e institucionais para reconstruir a democracia, o primeiro governo da Nova República teria de enfrentar dois problemas cruciais – dívida externa e inflação fora de controle.
Sarney assumiu a Presidência na condição de interino, Tancredo ainda estava vivo. Com a morte do presidente, em 21 de abril, começa a jornada do até então vice-presidente no comando do Brasil.
Para tornar tudo ainda mais complicado, Sarney chegou ao poder sem um plano de governo, e sequer conhecia ao certo a equipe que iria assumir os ministérios. Tudo havia sido negociado por Tancredo Neves.
“Tivemos aquele momento muito marcado pela doença do Tancredo, que surpreendeu a todos nós. Eu, pelo menos, não sabia até a véspera de ele ser internado. E terminou que eu tive que assumir o governo naquele momento sem ter escolhido nenhum ministro, a maioria eu não conhecia, sendo vice-presidente, quer dizer, eu não participei do plano de governo que eles tinham elaborado”, disse Sarney.
Como o próprio Sarney explica, o primeiro ano foi quase todo empregado para construir legitimidade para seu governo. Além de ter sido eleito de forma indireta, juntamente com Tancredo, Sarney era remanescente do partido que deu apoio aos governos militares, a Arena. Tudo isso fazia que houvesse muita desconfiança sobre o que esperar dele na Presidência.
A primeira tarefa do novo presidente foi aprovar leis para remover parte do chamado “entulho autoritário”, uma forma de assegurar que cumpriria os compromissos assumidos na campanha. Dentre as medidas tomadas no primeiro ano, destacam-se a retomada da liberdade de organização sindical e a realização de eleições diretas para prefeitos de capitais e locais considerados de segurança nacional. Durante o regime militar, os governantes dessas localidades eram escolhidos de forma indireta.
Sarney contou um pouco desse período em entrevista ao Correio Braziliense. “Para me legitimar que eu abri todas as frentes, fiz anistia para os sindicalistas todos, os partidos que estavam na clandestinidade, eleição para todos os municípios de segurança nacional, e eleição para as capitais. Até o Ulysses me procurou: ‘oh, Sarney, como é que vamos fazer eleição com esses problemas todos que vamos ter?’ E digo: ‘Ulysses, o Tancredo podia retardar, porque ele tinha um capital político muito grande, mas eu estou em processo de legitimação e tenho que fazer imediatamente isso.”
Mobilizações e greves
Com o fim do período militar, e depois das mobilizações por redemocratização durante a primeira metade da década de 1980, a sociedade brasileira estava altamente mobilizada. José Sarney relata que, durante os cinco anos de governo, enfrentou nada menos que 12 mil greves.
Em discurso, o então deputado Haroldo Lima (PCdoB-BA) anunciou no Plenário uma das greves que seriam realizadas em dezembro de 1986. “As três centrais sindicais, a CGT, a CUT e a USE, e mais nove confederações nacionais de trabalhadores do Brasil reuniram-se e deliberaram, por unanimidade, convocar para o próximo dia 12 uma greve dos trabalhadores do Brasil. Essa greve parece ser a primeira greve geral que unifica todos os trabalhadores através de suas entidades de classe, provavelmente, em toda a História do Brasil.”
Dívida externa
Problemas contra os quais protestar não faltavam. O governo de Sarney começou com uma inflação de mais de 220% ao ano. A dívida externa comprometia mais da metade das receitas públicas naquele momento. Recessão, desemprego e aumento das desigualdades eram outras heranças dos governos militares.
O crescimento econômico vertiginoso da ditadura foi financiado com empréstimos externos quando os juros internacionais eram baixos. Com a crise do petróleo, a partir de 1973, os juros subiram, o endividamento explodiu e o modelo entrou em colapso.
No Plenário da Câmara, os deputados pediam a suspensão do pagamento da dívida externa. Entre eles o deputado Aurélio Peres (PCdoB-SP), em dezembro de 1986. “Prosseguiremos lutando contra os interesses do capital financeiro internacional. Prosseguiremos na luta pela suspensão do pagamento da dívida externa até que o povo brasileiro decida que atitude deve ser tomada com relação a esta chaga herdada da ditadura militar”, discursou.
Pobreza
Enquanto durante o chamado “milagre econômico”, entre 1968 e 1973, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro chegou a crescer 11% ao ano, na década de 1980 a taxa de crescimento média não ultrapassou 3% anuais. O PIB per capita cresceu somente 0,8% no período, contra mais de 6% nos anos de chumbo.
De acordo com o sociólogo Salvatore Santagada, em 1984, mais de 61% da população brasileira ocupada estavam na linha de pobreza, com renda inferior a dois salários mínimos.
O crescimento da desigualdade representa outra marca da chamada década perdida. Santagada relata que, em 1964, os trabalhadores detinham 60% da renda nacional, e o capital, 40%. Em 1988, a situação tinha se invertido. Trabalhadores ficavam com 38% da renda, enquanto 63% da riqueza estavam concentrados nas mãos dos detentores do capital.
Plano Cruzado
Passado o primeiro momento de busca por legitimação, o governo Sarney começa a propor medidas para enfrentar os problemas econômicos. A primeira tentativa foi o Plano Cruzado, lançado em 28 de fevereiro de 1986.
A principal característica do pacote foi o congelamento de preços e salários, como explicou o próprio Sarney no pronunciamento em que lançou o plano. “Brasileiros e brasileiras, as principais decisões são as seguintes: criação de uma nova moeda, o cruzado; extinção do cruzeiro, com paridade inicial de um cruzado por mil cruzeiros; conversão automática em cruzados de notas, moedas e depósitos à vista no sistema bancário; extinção da correção monetária generalizada; escala móvel de salários; congelamento total de preços, tarifas e serviços.”
Inicialmente, as medidas são um sucesso. A inflação cai de uma taxa de mais de 14% em janeiro de 1986 para menos de 2% nos meses seguintes ao lançamento do plano. Com o êxito momentâneo na economia, o governo se torna altamente popular. Com isso, o PMDB, partido a que Sarney havia se filiado, elege 22 dos 23 governadores e consegue maioria no Congresso.
No entanto, os problemas econômicos não tinham desaparecido. O principal deles era a crise de desabastecimento. Além da escassez provocada pelo aumento do consumo, devido à estabilização da economia, empresários sonegavam produtos da população para fugir do congelamento de preços. Prateleiras vazias eram uma imagem comum na vigência do Plano Cruzado.
Passadas as eleições, o governo lança um novo pacote econômico – o Plano Cruzado 2 – com o objetivo de corrigir os problemas do Cruzado. As medidas consistiam em aumento de impostos para produtos como veículos, combustíveis, açúcar e bebidas alcoólicas. Aumentam também os preços controlados, de energia, água e telefonia. Na prática, o Cruzado 2 representou o fim do tabelamento de preços.
Na Câmara, os opositores acusam o governo de estelionato eleitoral. Um exemplo é o discurso do deputado Victor Faccioni (PDS-RS), em novembro de 1986. “Se as eleições fossem hoje, depois das medidas do governo, modificando o Plano Cruzado com o mais terrível aumento de impostos, notadamente do IPI, que é um imposto federal, além do aumento da gasolina, álcool, açúcar, e tudo o mais, seguramente outro seria o resultado das eleições em todo País.”
Inflação
Sem o congelamento de preços, a inflação volta com força total, prometendo um fim melancólico para o primeiro governo da Nova República, pelo menos do ponto de vista da economia. Até o final do governo, em 1990, o Brasil teria mais dois ministros da Fazenda, foram quatro no período, e outros dois planos para tentar estabilizar a economia. Todos falharam.
Quando Sarney entregou a faixa a Fernando Collor, primeiro presidente eleito do Brasil depois de 29 anos sem eleições diretas, em 15 de março de 1990, o Brasil registrava a impressionante cifra de 1.973% de inflação anual.
Constituição
Embora dívida pública e inflação sejam quase sempre lembradas como marcas do período, o primeiro governo civil marcou também a consolidação das liberdades democráticas. O principal marco da década de 1980 foi a nova Constituição. Tanto analistas quanto políticos e o próprio José Sarney consideram que a consolidação democrática foi o maior legado do primeiro governo da Nova República.
“O principal legado foi a democracia, né? A transição democrática, que eu acho que, graças ao meu temperamento, eu conduzi de uma maneira, exercendo o diálogo, a paciência. E, sobretudo, com a visão das minhas responsabilidades como o presidente de um país como o Brasil, um país de muita complexidade. Eu acho que esse é o legado, depois eu convoquei a Assembleia Constituinte, e ela realizou a Constituição, coisa que nenhum processo de transição democrática na América Latina conseguiu fazer”, disse Sarney.
Compromisso assumido pela Aliança Democrática, coalisão que permitiu a vitória de Tancredo Neves e José Sarney nas eleições indiretas de 1984, a criação da Assembleia Nacional Constituinte nasceu de um projeto de emenda à Constituição enviado por Sarney ao Congresso em julho de 1985.
Para o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), que é neto de Tancredo e foi deputado constituinte, a Constituição brasileira representa o principal legado de José Sarney para o País. “Do ponto de vista político, foi que ele permitiu que o Brasil discutisse e aprovasse uma Constituição sem qualquer interferência do Poder Executivo.”
Aécio Neves lembra, inclusive, que a ideia do avô para o processo constituinte era diferente. Tancredo Neves chegou a criar uma comissão de notáveis, encabeçada pelo jurista Afonso Arinos, para criar um projeto a ser entregue ao Congresso. A comissão chegou a escrever uma proposta. Sarney, no entanto, decidiu arquivar o projeto e deixar a missão de formular a nova Constituição totalmente a cargo dos parlamentares.
“O Ulysses teve liberdade absoluta para conduzir os trabalhos. As discussões sobre a nova Constituição se deram com a mais absoluta liberdade, o que acabou sendo muito positivo”, disse Sarney.
No dia 1º de fevereiro de 1987 começavam os trabalhos para elaborar a nova Constituição. Depois de um processo longo e cheio de reviravoltas, o texto, apelidado de Constituição cidadã, foi promulgado pelo então presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, em 5 de outubro de 1988.
Um ano mais tarde, em 1989, o País iria pela primeira vez às urnas em 29 anos para escolher o presidente da República e começar a escrever, então, um novo capítulo da história brasileira. A história de um país que, com altos e baixos, consegue assegurar há 40 anos as liberdades previstas na nova Constituição.